Mudança no nome da data reforça a importância da valorização cultural e do protagonismo dos povos indígenas
O tradicional 19 de abril, antes conhecido como “Dia do Índio“, passou a se chamar oficialmente Dia dos Povos Indígenas após a promulgação da Lei 14.402/22. A alteração carrega um peso histórico e social imensurável. A proposta da nova nomenclatura veio da deputada Joenia Wapichana, com o objetivo de valorizar a diversidade dos povos originários e romper com estereótipos reducionistas.
A data chega para reconhecer o direito desses povos, “manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões, assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida, assim como de seu desenvolvimento econômico“, declarou a parlamentar, enfatizando que o foco agora deve ser sobre a pluralidade dos povos indígenas e seus saberes.
A renomenclatura vem acompanhada de reflexões importantes sobre como o Brasil lida com sua história e com os povos que já habitavam este território muito antes da colonização. A professora de Direito da Estácio, Gabrielle Silva, destaca que a data abre espaço para questionamentos profundos sobre a forma como o racismo contra indígenas é invisibilizado.
“Sempre que se tem uma discussão sobre racismo, o foco está nas pessoas negras, e isso está certo, mas não se discute o racismo contra pessoas indígenas – um debate que não tem o respaldo que merece”, pontua Gabrielle.
A docente ainda destaca o segundo ponto essencial: a forma como os indígenas são vistos pela sociedade. “Fomos educados para ter uma imagem do que é a pessoa indígena. Que devem corresponder a um ideal de pureza, justamente porque, supostamente, para você ser um indígena de ‘verdade’, você tem que estar nesse estado intocado pela civilização nos moldes da que vivemos”, analisa.
Essa imagem deturpada perpetua estigmas e exclui os indígenas da vida moderna. Como se o uso de celular ou a presença em cidades invalidasse suas identidades.
“Em uma aula sobre essa questão racial, uma aluna disse que no Acre eles cobram pedágio, que são todos desocupados e estão usando celulares. É aí que podemos ver que a revolta dessa aluna não está no pedágio, mas no afastamento desse ideal do bom selvagem”, comenta Gabrielle.
No terceiro ponto, a especialista aponta para a forma como ensinam a história brasileira, sempre pela ótica eurocêntrica. “A gente recebe a história do nosso país a partir da perspectiva branca e nos ensinam a entender que os brancos venceram esse conflito”, afirma.
Gabrielle destaca o escritor Darcy Ribeiro como uma exceção ao apresentar perspectivas indígenas. No entanto, lamenta que poucos conheçam figuras fundamentais como Ailton Krenak, que teve papel essencial na Constituinte de 1988. “Quem, por exemplo, hoje conhece a importância do Ailton Krenak para a Constituinte de 1988?”, questiona.
Para ela, é preciso ouvir os povos indígenas sobre suas próprias histórias, tradições e realidades. “Como o próprio Darcy Ribeiro falou, nessa história ainda não temos vencedores”, diz Gabrielle.
Quem vive entre dois mundos pode sentir na pele esse distanciamento, como Haje Kalapalo, estudante de enfermagem da Estácio em Goiânia. Representante da etnia Kalapalo, ele deixou o Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso, em 2019 para realizar o sonho de cursar o ensino superior.
“Saí da minha aldeia para buscar conhecimento que não tinha acesso. No começo, sofri por não conhecer ninguém na cidade e enfrentei barreiras na sala de aula e fora da faculdade”, relata.
Mesmo enfrentando obstáculos como o aprendizado da língua portuguesa, Haje manteve o foco em sua missão. Sempre interessado pelas ciências biológicas, decidiu seguir a enfermagem para cuidar da saúde de seu povo.
“Eu amo Goiânia, mas quando finalizar o curso eu pretendo voltar para a minha aldeia para atuar como enfermeiro, assim vou prestar um serviço para a minha comunidade e estar perto da minha família”, o estudante afirma com orgulho.
Haje Kalapalo deve concluir o curso de enfermagem neste ano de 2025. Ele representa uma nova geração que, sem abrir mão de suas raízes, busca ocupar espaços na sociedade contemporânea – um direito de todo o povo indígena.
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