Uso de inteligência artificial levanta alertas éticos e revela a falta de preparo global para conter riscos crescentes
Com poucos cliques, qualquer pessoa com acesso à internet pode criar vídeos hiperrealistas usando inteligência artificial. Os deepfakes, que imitam com perfeição rostos, vozes e gestos, já são usados em fraudes, campanhas políticas, manipulação de mercado e assédio virtual. Enquanto governos correm para criar regras, a tecnologia avança num ritmo que supera leis, cultura e até a compreensão social.
Na cultura pop, o alerta veio antes. A série Black Mirror, conhecida por tratar de distopias tecnológicas, trouxe na sexta temporada o episódio “A Joan é péssima”. Nele, uma mulher descobre que sua rotina virou série sem autorização, com ajuda de IAs generativas. O enredo parecia exagerado até pouco tempo. Hoje, porém, já espelha riscos reais. Fora da tela, ferramentas como HeyGen e DeepFaceLab ganham espaço e já provocam prejuízos concretos.
Em 2024, a União Europeia aprovou o “AI Act“, obrigando empresas a rotularem conteúdos sintéticos e a prestarem contas sobre o uso de dados. Nos Estados Unidos, a Casa Branca divulgou diretrizes contra deepfakes eleitorais. Apesar disso, especialistas alertam que nem o setor público nem o privado estão prontos para lidar com o tamanho do desafio.
Relatório da empresa de segurança digital Sumsub mostra um crescimento alarmante de 700% nos casos de deepfake em fintechs entre 2022 e 2023. No Brasil, onde a tecnologia avança sem regulação específica, o risco é ainda maior. O CEO da FWK Innovation Design, Eduardo Freire, afirma que as empresas ainda tratam o tema com superficialidade. “A tecnologia de deepfake está avançando muito mais rápido do que nossa capacidade institucional, jurídica e até emocional de compreendê-la”, alerta.
A avaliação é compartilhada por Raphael Santos Marques, da Tech do Bem, que vê um risco crescente com a popularização da inteligência artificial. “Com as seguidas atualizações que essa tecnologia irá receber, a tendência é ela cada vez mais se popularizar, e o perigo mora justamente aí, pois a sociedade ainda não desenvolveu o letramento digital necessário para identificar e lidar com conteúdo sintético”, diz.
Para o estrategista-chefe Ângelo Vieira Jr., da Lúmen Strategy, há um descompasso grave entre o avanço da tecnologia e a evolução da consciência social. “A tecnologia avança exponencialmente, enquanto a cultura, as leis e até a educação seguem num passo linear”, destaca. Ele lembra que as consequências são humanas e envolvem conflitos sociais, crises identitárias e novas formas de desigualdade.
Frente a esse cenário, os especialistas apontam seis caminhos para reduzir danos e criar uma cultura de responsabilidade digital, confira:
Segundo Eduardo Freire, “a resposta não virá só com leis ou firewalls. A gente precisa de educação crítica, ética e um novo tipo de liderança: mais consciente dos riscos e mais conectado com o impacto real da inovação sobre as pessoas”.
“Boa parte das empresas ainda trata a ética como uma consideração secundária no desenvolvimento tecnológico. Vejo frequentemente que o ímpeto de criar produtos ‘inteligentes’ supera as considerações sobre privacidade e segurança”, declara Raphael Santos Marques.
Para Ângelo Vieira Jr., “essa defasagem gera um vácuo onde ocorrem conflitos sociais, crises de identidade e até novas formas de desigualdade. Isso porque a tecnologia e as inteligências não são ‘boas ou mais’, mas sim quem as cria, faz, usa, modera e legisla sobre elas, ou seja, os humanos”.
“A Ética não pode ser uma instância acessória. Ela precisa estar integrada ao núcleo das decisões estratégicas, e isso só é possível quando temos lideranças comprometidas com o impacto social da tecnologia”, reforça o cofundador da Tech do Bem.
De acordo com Ângelo, “falar de ética não é papo romântico – é estratégia. É confiança, consistência e sustentabilidade. Não dá mais pra tratar impacto como uma aba do ESG ou um parágrafo no relatório anual”.
“Estamos integrando máquinas ao cotidiano sem entender os efeitos sobre nossa subjetividade. A cultura da inovação precisa ser acompanhada por uma cultura de cuidado com o humano”, conclui o estrategista-chefe da Lúmen Strategy.
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