“Dois Passos”: curta goiano revela o que há de mais invisível (e perigoso) na infância de meninas

Acordar cedo, ir para a escola, voltar para casa. Três etapas simples da rotina de milhares de crianças. Mas e se esse caminho aparentemente inofensivo escondesse, todos os dias, pequenos e grandes perigos que passam despercebidos pelos olhos dos adultos? É essa provocação que o curta-metragem “Dois Passos”, da produtora goiana Sublima, nos oferece com delicadeza, lirismo e brutal honestidade.

A produção será exibida gratuitamente nesta quarta-feira, 24 de abril, às 20h, no Cine Cultura, em Goiânia, em uma sessão especial de lançamentos de curtas-metragens goianos. O filme é uma oportunidade imperdível para refletirmos sobre uma pauta urgente e ainda invisibilizada: a violência cotidiana que atinge meninas em idade escolar.

Roteiro de “Dois Passos” utiliza a sutileza como denúncia. Com direção e roteiro de Joyci Viegas, historiadora, professora e cineasta, o filme acompanha Marcela, uma menina de 12 anos que percorre, todos os dias, um longo caminho da escola até em casa. O que parece ser apenas uma rotina revela-se, na verdade, um percurso de sobrevivência silenciosa. O espectador assiste ao mundo pelos olhos de Marcela, que transita por espaços urbanos marcados por olhares, abordagens, silêncios e medos — elementos tão comuns que muitas vezes já nem são percebidos como formas de assédio.

Joyci, que atua na rede pública de ensino e pesquisa as interseções entre educação, história e cinema, conseguiu traduzir em imagem o que muitas meninas não conseguem nem nomear. A violência simbólica, o medo difuso e o desconforto constante são retratados com uma estética sensível, sem apelar para o sensacionalismo.

“Dois Passos” também traz a força do olhar infanto-juvenil. Com 12 minutos de duração e classificação livre, o curta é um retrato potente da infância feminina em uma sociedade que normaliza o assédio. Sofia Kossobudzka, Lívia Passos e Ana Verano formam o trio de atrizes mirins que brilham com naturalidade e força. O elenco adulto também reforça a proposta realista e intimista da obra, com nomes como Eliana Santos, Adriana Brito, Duca Rodrigues e Júlio Van.

Filmado em locações históricas de Goiânia — como o Pórtico do IFG, Mercado Central, Avenida Goiás e Rua 8 — o curta transforma o centro da capital em um personagem que observa, silencia e, muitas vezes, ameaça. A cidade se torna cúmplice e palco das violências sutis que a personagem enfrenta.

“Dois Passos” não nasceu do acaso. O roteiro foi desenvolvido por Joyci Viegas no Espaço Kino, escola de formação em cinema idealizada por Isaac Brum. A proposta pedagógica do local é formar cineastas a partir de diversas áreas do conhecimento, o que fortaleceu o viés educativo e social do curta. Antes mesmo de ser filmado, o projeto já tinha conquistado o reconhecimento da crítica, levando o prêmio de Melhor Roteiro de Curta-Metragem no Prêmio CORA (SAPI – Mercado Audiovisual do Centro-Oeste) e Melhor Roteiro no 1º Kino Script, consolidando-se como uma narrativa necessária e bem construída.

Por que você precisa ver “Dois Passos”?

Porque ele nos obriga a parar, respirar e perceber o que sempre esteve ali, mas que preferimos não ver. O filme nos convida a acompanhar o caminho de Marcela não apenas como uma ficção, mas como um espelho da realidade de tantas meninas brasileiras. É um convite à empatia, à escuta e à ação.

Em tempos de retrocessos nos direitos das crianças e adolescentes, e de banalização da violência de gênero, curtas como “Dois Passos” são mais do que arte: são instrumentos de denúncia e transformação. Amanhã, no Cine Cultura, a sessão é gratuita. Mas o impacto do filme, esse, não tem preço.

Confira o making off do filme “Dois Passos”:

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