Línguas indígenas no Brasil: conheça os desafios, risco de extinção e iniciativas de preservação

Ações emergenciais são necessárias para salvar idiomas ameaçados e fortalecer memória ancestral

Línguas indígenas podem desaparecer em 20 anos (Foto Guilherme Cavalli - Cimi)

Cinco séculos depois de mais de 1.200 línguas indígenas ecoarem pelo território que hoje é o Brasil, museus, universidades e aldeias se uniram para inaugurar um centro dedicado à pesquisa e à preservação desses idiomas. A iniciativa do Museu da Língua Portuguesa e do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP busca impulsionar um movimento nacional que tenta frear o desaparecimento de parte essencial da memória cultural do país.

O esforço aparece em um momento decisivo para os povos originários. Hoje, segundo o IBGE, cerca de 274 línguas indígenas seguem vivas no Brasil, muitas delas faladas por grupos reduzidos e em risco de desaparecimento. A urgência se intensifica porque, como lembra a linguista Altaci Kokama, da UnB e do Ministério dos Povos Indígenas, “Preservar uma língua indígena é preservar o modo de viver de um povo. As línguas indígenas são como gotas que podem curar a terra”.

A criação do novo centro soma-se a pesquisas que já avançavam na USP, inclusive com o apoio da IBM desde 2023, em projetos que utilizam tecnologia para documentar e analisar idiomas originários. A mobilização acompanha as diretrizes da UNESCO, que determinou o período de 2022 a 2032 como a Década Internacional das Línguas Indígenas.

Conhecimento ancestral como ferramenta de futuro para as línguas indígenas do Brasil

Para Altaci Kokama, o perigo não é apenas linguístico, mas ambiental. Ela afirma que “As línguas indígenas contêm inventários de espécies, sistemas de classificação, narrativas etiológicas e, sobretudo, formas de gestão da diversidade, uma tecnologia fundamental para a preservação e biorrestauração do meio ambiente. A perda de línguas implica a perda de conhecimentos cruciais para o enfrentamento da crise climática e ambiental de nosso tempo”.

Estudos de referência, como o do linguista Aryon Dall’Igna Rodrigues, já indicavam que os europeus encontraram cerca de 1.200 línguas diferentes no território no início da colonização. A redução vertiginosa ao longo dos séculos mostra o peso do apagamento cultural e ressalta a necessidade de políticas contínuas e conectadas às comunidades.

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Sementes plantadas dentro das escolas

Em Roraima, no município de Cantá, o professor Minuro Augustinho Cruz tornou-se peça central dessa reconstrução. Há 12 anos na Terra Indígena Tabalascada, ele ensina wapichana a crianças e adolescentes da Escola Estadual Indígena Antônio Domingos Malaquias. Na aldeia de 14.000 hectares, onde vivem 1.058 pessoas dos grupos Macuxi e Wapichana, Minuro é conhecido como Masuiki.

De manhã, ele trabalha conversação com estudantes do 1º ao 5º ano; à tarde, ensina gramática, história e valores culturais aos jovens do 6º ao 9º ano. “Nós, professores, estamos fortalecendo e valorizando nossa cultura, e sinto que estou contribuindo para a minha comunidade. Trabalhamos com professores mais experientes que ainda estão na luta, desenvolvemos projetos juntos e aprendemos com eles todos os dias”, diz Minuro.

Além das aulas, o professor atua como intérprete em reuniões comunitárias e ajuda a conduzir apresentações da Dança Parixara, ritual tradicional entre Wapichana e Macuxi. A proximidade com Boa Vista traz desafios, especialmente entre adolescentes influenciados pela cultura urbana, mas Masuiki segue confiante. Para ele, cerca de 70% da comunidade permanece fluente no idioma, o que sustenta a esperança de continuidade.

Ameaças, êxodo e futuro incerto das línguas indígenas no Brasil
Foto: Mário Vilela/Funai

Ameaças, êxodo e futuro incerto das línguas indígenas no Brasil

O avanço do português e o deslocamento de jovens para as cidades contribuem para o declínio de línguas faladas por grupos muito reduzidos. Em algumas comunidades, restam apenas cinco ou oito falantes, geralmente idosos.

A linguista Ana Suelly Arruda Câmara, da UnB, pesquisa o tema há mais de 30 anos e alerta: cerca de vinte idiomas podem desaparecer nos próximos 50 anos. Ela reforça que a década instituída pela UNESCO tem impacto simbólico, mas depende de ações práticas e contínuas. Para a pesquisadora, a revitalização só acontece quando toda a comunidade se envolve.

“Apenas confiar em linguistas e antropólogos é insuficiente para a preservação de uma língua. Na minha opinião, revitalizar uma língua exige o envolvimento ativo de toda a comunidade. Esse envolvimento pode assumir várias formas, como a aprendizagem intergeracional, com crianças adquirindo conhecimento de seus avós, ou adultos orientando uns aos outros em uma dinâmica de mestre-aprendiz. Em última análise, o renascimento de uma língua depende de seu uso oral e requer um esforço contínuo e de longo prazo”, afirma Câmara.

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