Ação coletiva apresentada na Califórnia aponta que o serviço de streaming teria se beneficiado de reproduções artificiais em larga escala
Uma nova batalha judicial promete estremecer a indústria da música digital. No último domingo (2), uma ação coletiva movida em um tribunal federal da Califórnia acusou o Spotify de permitir fraudes massivas de streaming que teriam impulsionado “bilhões” de reproduções do rapper Drake. O cantor canadense não é réu no processo, mas aparece como suposto beneficiário do esquema.
O caso foi aberto por RBX, nome artístico de Eric Dwayne Collins, primo de Snoop Dogg e autor de clássicos do rap da Costa Oeste. Ele alega que o Spotify “fecha os olhos para o streaming fraudulento” e permite o uso de bots e VPNs para inflar artificialmente números de artistas e, consequentemente, o valor de mercado da própria plataforma.
Segundo o processo, a prática teria ocorrido entre janeiro de 2022 e setembro de 2025, período em que reproduções anormais das músicas de Drake teriam sido detectadas em regiões sem endereços residenciais e com uso coordenado de VPNs. O documento afirma que “bilhões de reproduções fraudulentas são geradas por métodos falsos, ilegítimos e/ou ilegais” todos os meses no Spotify.
A denúncia sustenta que a inércia do Spotify provocou “enormes prejuízos financeiros a artistas, compositores, produtores e outros detentores de direitos autorais legítimos”. No sistema de pagamento da plataforma, os royalties são distribuídos com base na proporção total de streams. Assim, quanto mais reproduções falsas surgem, menos dinheiro sobra para artistas reais.
O advogado Mark Pifko, do escritório Baron and Budd, que representa RBX, afirmou à Rolling Stone:
“Artistas de toda a indústria de streaming precisam de relatórios precisos sobre reproduções e de detecção eficaz de fraudes para garantir uma remuneração justa. Quando as reproduções são infladas artificialmente em larga escala – como alega o processo do meu cliente em relação às reproduções da música de Drake – isso afeta a renda de inúmeros compositores, intérpretes e produtores.”
O processo pede indenizações superiores a US$ 5 milhões e solicita que o juiz autorize a certificação como ação coletiva, além de supervisionar um julgamento com júri para recuperar perdas e aplicar punições financeiras ao Spotify.
Segundo a Forbes, um porta-voz do Spotify declarou: “Não podemos comentar sobre processos judiciais em andamento. No entanto, o Spotify não se beneficia de forma alguma do desafio que afeta toda a indústria em relação ao streaming artificial. Investimos fortemente em sistemas de ponta, em constante aprimoramento, para combater esse problema e proteger os pagamentos aos artistas com medidas robustas, como a remoção de streams falsos, a retenção de royalties e a aplicação de penalidades.”
O representante ainda citou um caso recente em que um golpista foi indiciado por desviar US$ 10 milhões de serviços de streaming, sendo apenas US$ 60 mil provenientes do Spotify, exemplo usado para comprovar a eficácia de seus mecanismos de controle.
O Spotify reforça em seu site que streams fraudulentos “diluem o montante total dos royalties”, desviando receitas de artistas legítimos. A empresa afirma investir “fortemente na detecção, prevenção e remoção do impacto dos streams artificiais” e diz ter removido mais de 75 milhões de faixas geradas por inteligência artificial em 2024.
A ação cita que músicas de Drake teriam alcançado “mais de cem milhões de reproduções” em locais com “zero endereços residenciais”. Segundo o documento, parte das execuções teria partido de bots programados para ouvir 23 horas por dia, com menos de 2% das contas responsáveis por 15% dos streams do artista.
Em um episódio descrito como exemplo, cerca de 250 mil reproduções da faixa “No Face” teriam se originado na Turquia, mas foram mascaradas como se tivessem ocorrido no Reino Unido por meio do uso de VPNs.
Apesar das acusações detalhadas, o processo não especifica como os advogados de Collins obtiveram os dados que embasam a denúncia. O texto alega que o Spotify “deliberadamente ignora as reproduções fraudulentas” para aumentar seus números de usuários e receitas publicitárias.
“Para o Spotify, mais usuários e reproduções significam mais receita publicitária, desde que a verdadeira origem das reproduções permaneça oculta”, afirma o documento judicial.
As novas alegações surgem poucas semanas após Drake perder um processo que ele mesmo havia movido contra a Universal Music Group (UMG). O rapper acusava sua gravadora de usar bots para inflar o sucesso da faixa “Not Like Us”, de Kendrick Lamar, uma música que o atacava diretamente.
Drake afirmou em documento judicial que a UMG “conspirou, pagou ou fez com que pagamentos fossem feitos a terceiros desconhecidos para usar ‘bots’ para inflar artificialmente” as reproduções da música. O Spotify respondeu chamando as acusações de “falsas”, “absurdas” e “especulativas”.
A juíza responsável pelo caso rejeitou o processo, considerando que as alegações eram baseadas apenas em “tweets de fãs e comentários online”. Ainda assim, o episódio evidenciou como o streaming fraudulento se tornou uma arma nas disputas entre gigantes da música.
Estudos publicados na França, no Reino Unido e nos Estados Unidos mostram que as fraudes em streaming não são exceção, mas um sintoma de um sistema vulnerável a automatizações, manipulações e incentivos financeiros distorcidos.
De acordo com a Rolling Stone, os streams falsos podem custar aos artistas até US$ 300 milhões por ano, valor que tende a crescer à medida que a inteligência artificial facilita a criação de faixas e perfis automatizados.
Enquanto o processo de RBX tenta abrir um precedente inédito contra o Spotify, o debate sobre transparência, remuneração e responsabilidade digital ganha força entre artistas e gravadoras. A ação pode redefinir a forma como a música é medida, vendida e, sobretudo, quem realmente lucra com cada play.
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